23 de abr. de 2010

Reforma curricular em São Paulo

As mesmas nuvens carregadas com as chuvas de verão anunciam tempestades e trovoadas para a educação em São Paulo. Após a constatação que a aprendizagem dos alunos escorreu pelos dedos, pela aprovação automática e pelas políticas públicas do Governo do Estado, fala-se em reformulação curricular para o próximo ano.

No pretexto de transformar o Ensino Médio em algo semi-profissionalizante extinguiu-se a 6ª aula do período diurno, que aliás não rendia nada, e reduziu-se a carga horária de algumas disciplinas para ampliar a de outras.

A lógica é simples: retirou-se tempo e conteúdo de disciplinas consideradas irrelevantes, como História, Geografia, Física, Química, Biologia, Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física para se ampliar a carga horária, já robusta, de disciplinas como Português e Matemática, como se isso fosse resolver o problema dos alunos que concluem o Ensino Médio sem saber ler, escrever e realizar as quatro operações matemáticas fundamentais.

De que adianta ampliar a carga horária dessas disciplinas, o que já foi feito há pouco tempo, se a estrutura física da escola, a atuação do professor e a abordagem dos conteúdos continuam as mesmas?

De que adianta falar em educação de qualidade, atuação pedagógica diferenciada e atenção às necessidades dos alunos se às salas de aula são verdadeiros depósitos, que concentram crianças e adolescentes em quantidade muito superior ao espaço físico disponível?

De que adianta falar em bônus, valorização do professor e respeito à educação se os profissionais do magistério são submetidos a jornadas desgastantes, assumindo o compromisso com a aprendizagem de uma quantidade de alunos muito além de suas capacidades, apenas para garantir um vencimento muitas vezes insuficiente para suas necessidades fisiológicas?

Se analisarmos a educação e o progresso dos países desenvolvidos, perceberemos que existe uma relação direta entre a escola e a produção de riqueza. O conhecimento aprendido na escola impulsiona os cidadãos do país ao progresso, à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, que agregam valor e contribuem decisivamente para a prosperidade nacional.

Nas aulas de Física, Química e Biologia os estudantes desses países ingressam nesse universo e despertam para a possibilidade de assumirem um papel nesse desenvolvimento.

Nas aulas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia os estudantes percebem as características e peculiaridades das relações sócio-econômicas da realidade e entendem as posturas empreendedoras e as necessidades jurídicas que precisam desenvolver para que esse desenvolvimento ocorra.

Em vez disso, o que faz São Paulo? Restringe o conteúdo a ser disponibilizado aos seus estudantes e praticamente anula a possibilidade de desenvolvimento produtivo. Limitando seus alunos ao básico da leitura e dos fundamentos da Matemática, o Estado propõe a formação semi-profissional de uma mão-de-obra essencialmente barata e desprovida da capacidade de criar, inovar e perceber sua realidade.

Até parece que isso faz parte de um projeto, mais amplo e perverso, que visa restringir o acesso ao conhecimento mais avançado à uma parcela privilegiada da população, que tem a oportunidade de estudar nas escolas particulares. Até parece que esse projeto seria uma resposta à idéia de reservar uma quantidade de vagas das Universidades públicas aos alunos que estudaram o Ensino Médio no sistema público.

Por acaso os vestibulares dessas universidades serão limitados aos conteúdos semi-profissionalizantes que o Estado planeja adotar?

Uma coisa é certa: até quem acredita em alguma boa intenção das pessoas que elaboraram essas propostas de reformulação curricular é capaz de perceber que a abordagem da questão está ERRADA. Não se corrige um problema desses com mais do mesmo. É preciso fazer uma reformulação pedagógica completa.

Se o problema é estrutural, deve-se prover e reorganizar as estruturas físicas e burocráticas da escola.

Se o problema é o professor, deve-se primeiro garantir aos docentes às condições necessárias ao seu trabalho (financeiras, estruturais e pedagógicas) para depois cobrar as posturas necessárias.

Se problemas é o aluno e a qualidade da educação familiar, deve-se interferir nesse processo com programas sociais e exigências legais, como já prevê a nossa legislação.

Se o problema é o Governo do Estado, que, com uma proposta dessas não parece perceber a dimensão do problema, deve o Sr Governador do Estado de São Paulo ter a dignidade de utilizar sua grande capacidade de organizar e sistematizar informações e pessoas qualificadas para atacar o problema em todas as suas dimensões, para que, como aconteceu com a Progressão Continuada, a reformulação curricular não promova um desastre educacional para as próximas gerações.

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Quem sou eu

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Sou paranaense de Ivaiporã e atualmente morando em Hortolândia desde 1991. Sou formado em matemática pela UNIVALE (PR), com especialização pela UNIG ( RJ ). Também sou formado em engenharia civil pela PUC - CAMPINAS ( PUCCAMP). Leciono atualmente na EE Prof. Euzébio A Rodrigues.Já lecionei em diversas escolas de Hortolândia-Sp e também em Sumaré - Sp. Nas escolas onde lecionei, fui representante de escola junto à APEOESP ( Sindicato dos professores ), além de ter sido também conselheiro regional. Defendo que a educação ( escola ) seja de qualidade e acessível para todos, onde tenhamos uma sociedade com cidadãos conscientes de que precisamos lutar por um mundo mais justo e com igualdade para todos. Esse é o verdadeiro papel da educação. Vamos à luta,pois sem nenhum esforço e dedicação, não conseguiremos atingir todos os nossos objetivos.
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